Casos famosos de uso indevido de marca

por Gabriel Bender

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e Lei nº 9.279/96

Desde a sua criação, em 11 de dezembro de 1970, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem como objetivo assegurar os direitos relacionados à propriedade intelectual às indústrias, buscando dirimir eventuais controvérsias sobre esse tema entre as empresas.

A atuação desta autarquia ocorre em paralelo com a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que emerge com o intuito de regular os direitos e deveres referentes à propriedade industrial, incluindo a regulamentação do uso de marcas, tópico central do presente artigo. Sob essa ótica, vale a pena destacar o art. 124 da Lei de Propriedade Industrial, que proíbe o registro de marcas que representem “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada”, em conjunto com o art. 129 da mesma codificação, que prevê que o registro, quando expedido de maneira válida, assegura ao seu titular “seu uso exclusivo em todo o território nacional”.

Todavia, apesar da existência tanto da autarquia quanto da legislação, inúmeros casos envolvendo o uso indevido de marca ganharam notoriedade nos últimos anos, gerando embates importantes submetidos à apreciação dos tribunais brasileiros. A seguir, mencionaremos alguns desses casos.

Casos famosos de uso indevido de marca

Meta Serviços em Informática X Meta Platforms

Neste caso, a empresa brasileira "Meta Serviços em Informática" moveu uma ação de uso indevido de marca contra a empresa norte-americana "Meta Platforms" (o antigo “Facebook”), fundamentando-se na semelhança entre os seus nomes e na concorrência pelo mesmo segmento de mercado (tecnologia). Esse cenário, segundo a parte autora, inviabilizaria uma coexistência pacífica entre as empresas, em virtude de uma possível confusão de seus consumidores.

Fundada em 1990, a empresa brasileira "Meta Serviços em Informática" atua no setor de serviços de análise e processamento de dados, além de assessoria e consultoria na área de informática, com seus registros junto ao INPI datando de 2008 e 2009. Destaca-se, portanto, a sua anterioridade com relação à empresa estadunidense de tecnologia, previamente conhecida como “Facebook”, mas que, no ano de 2021, renomeou-se para “Meta Platforms”.

A alegação da parte autora sustenta que a “Meta Platforms” não detém a titularidade da marca "Meta" no contexto dos serviços relacionados à tecnologia (em vista da referida anterioridade do registro da marca brasileira), fato esse que impediria o uso isolado deste termo. Além disso, é apontado, pela “Meta Serviços em Informática”, uma série de prejuízos que, supostamente, teriam-na acometido, decorrentes dessa confusão. Estes incluem: associações equivocadas com a empresa norte-americana, que culminaram em denúncias e reclamações indevidas na internet (direcionadas à "Meta Platforms", mas que, erroneamente, foram associadas à empresa brasileira), fato esse que teria prejudicado a imagem de sua empresa perante consumidores, em conjunto com a inclusão em inúmeros processos judiciais, nos quais a parte demandada deveria ser a empresa estadunidense, supostamente sem sede no Brasil e outros prejuízos. Em resposta, o antigo “Facebook” argumentou que obteve registros junto ao INPI para a marca "Meta", para seu uso em serviços de redes sociais, softwares e hardwares. 

O pedido da empresa brasileira foi negado em 1ª instância pela 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo, fato esse que fez com que ela recorresse à 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que proferiu decisão liminar favorável, em que proibia a “Meta Platforms” de utilizar o nome ou a marca "Meta" no Brasil. 

A liminar, deferida em 28 de fevereiro, estipulava o prazo de 30 dias para que a “Meta Platforms” interrompesse o uso da marca em “qualquer meio ou suporte, físico ou eletrônico”, com uma multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. Em adição, a empresa norte-americana deveria comunicar, em suas redes sociais, que a “Meta Serviços em Informática” seria a detentora exclusiva da marca "Meta" no Brasil, além de fornecer um endereço para que as eventuais novas intimações fossem feitas corretamente.

Todavia, a liminar em questão foi alvo de recurso por parte da empresa estadunidense, que argumentou, em sua defesa, que não fora considerado o "dano reverso" à ela cominado, decorrente da proibição do uso da marca, que é mundialmente reconhecida. Ademais, também fora por ela alegada a incompetência da Justiça Estadual em anular ou invalidar o registro de marca.

Ante ao recurso em pauta, o desembargador relator mencionou o "risco de dano irreparável ou de difícil reparação” que advinha do cumprimento da determinação prévia, além de se reportar à "possibilidade de reversão" da decisão pelo STJ.

Sendo assim, evidencia-se que a questão ainda está sendo discutida no judiciário, sendo necessário acompanharmos os desdobramentos futuros. 

Apple X Gradiente:

Outro caso que ganhou bastante notoriedade no que se refere ao uso indevido de marca envolve a empresa estadunidense Apple e a empresa brasileira Gradiente. Fundada em 1964, a empresa brasileira Gradiente atua no setor de eletroeletrônicos, produzindo e comercializando televisores, telefones celulares, smartphones, console de jogos eletrônicos, dentre outros produtos.

No ano 2000, a empresa em questão formalizou, junto ao INPI, a solicitação de registro da marca "Gradiente Iphone", tendo a sua aprovação apenas em novembro de 2007. Por sua vez, também 2007, durante o período de avaliação da marca brasileira, a Apple apresentou, nos Estados Unidos, o iPhone, que passou a ser comercializado no Brasil em 2008.

Em virtude de uma possível confusão de seus consumidores (pelo uso de nome similar para designar dois aparelhos telefônicos distintos), em 2013, a empresa norte-americana solicitou à justiça brasileira a anulação do registro da marca “Gradiente iPhone”, sob a justificativa de que o emprego do prefixo “i” minúsculo, na frente do nome do produto, era uma estratégia comum em sua marca desde 1998, com o iMac. Além disso, fora alegado, pela Apple, que a popularização do termo “iPhone” apenas ocorreu em virtude da comercialização e abrangência mundial de seu produto, destacando que a veiculação de nome similar poderia interferir negativamente na reputação de sua marca.

A solicitação foi acatada pelo Poder Judiciário do Rio de Janeiro. Desse modo, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) determinou, ao INPI, a anulação da concessão do registro à Gradiente e sua posterior republicação, com a observação de que a empresa brasileira não deteria exclusividade sobre o termo “Iphone”, não podendo utilizá-lo de maneira independente.

Todavia, ante recurso interposto pela empresa brasileira (Recurso Extraordinário com Agravo - ARE 1266095), fundamentando-se na anterioridade de seu pedido de registro de marca (tendo esse ocorrido sete anos antes do lançamento do smartphone da Apple), o processo se encontra atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF). Em outubro de 2023, um Plenário Virtual foi realizado para julgar o caso e, diante do empate na votação entre os ministros (em virtude do pedido de destaque do relator, ministro Dias Toffoli), um novo julgamento será realizado, desta vez em plenário presencial.

Coca-Cola X Joca-Cola:

Mais um caso emblemático no que se tange ao uso indevido de marca é a questão envolvendo a empresa estadunidense “Coca-Cola” e a empresa brasileira “Joca-Cola”. No evento em questão, a empresa norte-americana ajuizou uma ação na justiça brasileira requerendo a abstenção do uso da marca "Joca-Cola" e nulidade de seu registro, em conjunto com um pedido de indenização por danos morais e materiais. A argumentação da gigante estadunidense se alicerçava na semelhança fonética entre o nome das marcas, fato esse que, em consonância com o que fora evidenciado nos casos anteriores, poderia gerar confusão em seus clientes, culminando na associação indevida desses.

Em vista do ajuizamento da referida ação, a empresa brasileira renunciou ao seu registro junto ao INPI, na tentativa de implicar em nulidade da ação (em vista da “perda” do objeto da ação judicial) e “fugir” de uma possível condenação. Ademais, a Joca-Cola alegou, em sua defesa, que o produto sequer chegou a ser comercializado, fato esse que, segundo ela, desconsideraria qualquer hipótese de prejuízo para a Coca-Cola.

 O poder judiciário brasileiro afastou qualquer possibilidade de indenização à empresa norte-americana (em virtude de não ter sido observado nenhum prejuízo direto para ela), mas impôs multa à Joca-Cola por conta de três embargos considerados protelatórios, além de aumentar os honorários de sucumbência para 20%.

Johnnie Walker x João Andante

Nessa situação, a detentora da marca de uísque escocês “Johnnie Walker”, por meio de sua subsidiária no Brasil (Diageo Brasil Ltda), ajuizou uma ação contra a empresa brasileira “João Andante”, alegando a ocorrência de plágio, em virtude do nome “João Andante” consistir em uma tradução literal da marca, além de destacar semelhanças quanto ao rótulo de suas bebidas.

No judiciário, a disputa alcançou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) - REsp 1.881.211. -, que estabeleceu a necessidade da empresa brasileira em alterar o seu nome, além do pagamento de indenização no montante de R$ 50 mil à detentora da marca, em vista da “nítida paródia” por ela realizada, o que levaria ao enriquecimento sem causa dos proprietários da cachaça, em virtude de beneficiarem o seu próprio negócio às custas do prestígio da marca alheia, em associação parasitária.

Atualmente, a cachaça brasileira é comercializada sob a marca “O Andante”. A Diageo também buscou impedir o uso do novo nome, mas o relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que o registro da marca não permitiria à fabricante de uísque se apropriar da expressão isolada "andante", tendo a Terceira Turma concordado com o entendimento e não provendo, por consequência, o recurso da Diageo.

Conclusão

Em vista dos casos mencionados, reforça-se a importância do registro de marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para quaisquer empresas no Brasil e no Mundo — grandes, médias ou pequenas. O procedimento é relativamente simples, a depender do caso.  Recomenda-se a assessoria de advogados especializados para realizar um estudo prévio e evitar dores de cabeça futuras, maximizando as chances de sucesso do registro desejado.