Desafios e soluções trabalhistas em empresas da área da saúde: impasses da "pejotização"

por Guilherme Zanotto

Introdução

A área da saúde no Brasil tem enfrentado desafios significativos no campo das relações trabalhistas, especialmente com a crescente prática da "pejotização". Esse fenômeno ocorre quando profissionais da saúde são contratados como pessoas jurídicas (PJ) em vez de empregados formais, muitas vezes como uma forma de reduzir encargos trabalhistas e tributários. 

No entanto, essa prática pode gerar uma série de impasses legais e sociais, incluindo a precarização das condições de trabalho, a perda de direitos trabalhistas e a insegurança jurídica tanto para os profissionais quanto para as empresas. Assim, torna-se essencial analisar os desafios impostos pela pejotização e identificar possíveis soluções que conciliem os interesses dos trabalhadores e das instituições de saúde.



1. O que é "pejotização" e por que acontece nas empresas da área da saúde:

A Pejotização é um neologismo que decorre da abreviatura de “pessoa jurídica”, ou seja, “PJ”. O fenômeno consiste na criação de uma pessoa jurídica, a qual será destinada à prestação de serviços. Por vezes, a pejotização camufla uma relação trabalhista, de maneira que a relação jurídica entre as partes será tratada como uma simples prestação de serviços, cuja previsão encontra-se no art. 593 e seguintes do Código Civil de 2002.

A questão torna-se relevante porque, nos dias correntes, as clínicas, os hospitais e os laboratórios têm exigido, como condição para a contratação, que o Médico inscreva-se no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Consequentemente, a parte Contratante não será responsável pelos encargos trabalhistas e previdenciários, pelas férias, pelo ⅓ constitucional, 13° salário, horas extras, licenças, vales ou planos de saúde, por exemplo. Ao Contratante cabe apenas a emissão de nota fiscal pelos serviços prestados.

Nota-se que a situação pode violar o princípio da autonomia da vontade, visto que o trabalhador muitas vezes não possui livre iniciativa em constituir a PJ, assim como não deseja assumir os riscos da atividade empresarial.

No que tange à subordinação, no caso dos profissionais da saúde, é um fator tênue, mas que se dá a partir das escalas ou das diretrizes de atendimento determinadas pela instituição médica. No caso de o trabalhador comprovar a simulação, é possível que ele ajuíze ação para reconhecimento do vínculo empregatício e de todas as verbas trabalhistas.

Importa esclarecer que muitos profissionais da saúde aceitam a referida modalidade de contratação com vistas a reduzir a carga tributária, porque, a depender do regime tributário escolhido, os impostos podem ser mais baixos que o desconto do INSS e do Imposto de Renda em face dos salários da CLT. Todavia, para os hospitais, clínicas e operadoras de saúde, isso significa a  redução da folha de pagamento e dos custos operacionais, ainda que importe no risco de passivos trabalhistas.

2. Problemas da lei para lidar com a "pejotização"

A legislação trabalhista brasileira não prevê uma regulamentação específica para a pejotização, o que pode gerar insegurança jurídica tanto para os profissionais da saúde quanto para as empresas. Nesse viés, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece critérios para a relação de emprego, como subordinação e habitualidade, mas muitas contratações como PJ mascaram vínculos empregatícios, resultando em disputas judiciais. Os tribunais, por sua vez, analisam cada caso individualmente, podendo reconhecer o vínculo empregatício e impor o pagamento de encargos retroativos, o que gera riscos financeiros para as instituições de saúde.

Além disso, a pejotização desafia a efetividade da proteção social do trabalhador. Esses profissionais contratados como PJ não têm acesso a direitos como férias remuneradas, 13º salário e contribuição para a Previdência Social, o que pode comprometer sua estabilidade financeira a longo prazo. Ou seja, a falta de uma regulamentação clara sobre essa prática favorece a exploração e dificulta a fiscalização.


3. A tecnologia pode ajudar a minimizar esse fenômeno?

A tecnologia pode desempenhar um papel fundamental na minimização da pejotização ao proporcionar maior controle e transparência nas relações de trabalho. Por exemplo, plataformas digitais de gestão de recursos humanos permitem o acompanhamento detalhado da jornada de trabalho, garantindo que os vínculos empregatícios sejam formalizados corretamente e que direitos trabalhistas sejam respeitados. Além disso, ferramentas de compliance e automação podem auxiliar empresas da área da saúde a se adequarem à legislação, reduzindo a necessidade de contratações informais e mitigando riscos jurídicos.  

Outra solução tecnológica está na modernização dos modelos de contratação por meio de plataformas de trabalho sob demanda e bancos digitais de talentos. Essas ferramentas possibilitam que profissionais da saúde atuem com maior autonomia sem abrir mão de benefícios trabalhistas, permitindo modelos híbridos que combinam flexibilidade e segurança jurídica. Com a inteligência artificial e análise de dados, também é possível otimizar a alocação de profissionais, reduzindo custos operacionais para empresas e minimizando a necessidade de pejotização como estratégia de corte de gastos.

4. Soluções e alternativas à "pejotização"

Diante do exposto, percebe-se que o fenômeno da pejotização gera um quadro de insegurança jurídica, razão pela qual é considerado uma forma de precarização do trabalho. Para evitar problemas, sugerimos algumas alternativas para as empresas da área da saúde:

  • Contratação via CLT:

Esse modelo proporciona maior segurança jurídica tanto para os trabalhadores quanto para as empresas, reduzindo riscos de ações judiciais e promovendo relações laborais mais estáveis. Com a orientação correta, a contratação por meio da CLT torna-se o principal aliado das empresas do ramo da saúde e do trabalhador, assegurando melhores condições de trabalho, incluindo carga horária regulamentada e benefícios, evitando a precarização causada pela pejotização.

  • Contratação via Cooperativas de Trabalho:

Os Hospitais e clínicas podem firmar contratos com cooperativas médicas, que atuam como intermediárias entre os profissionais da medicina e as instituições de saúde. Destarte, haverá a redução dos encargos trabalhistas e uma maior autonomia para os profissionais, já que os mesmos participam da gestão da cooperativa. Ademais, a relação fática será dotada de maior segurança jurídica para ambas as partes, pois  não caracteriza vínculo empregatício.

  • Criação de Modelos Híbridos:

Essa seria uma solução intermediária, na qual o profissional pode ter um vínculo CLT parcial e o outro parte da remuneração via PJ, a qual será destinada a atividades específicas, como plantões extras ou consultorias. Desse modo, não há que se falar em verbas trabalhistas oriundas das horas extras ou adicionais noturnos, por exemplo

  • Regime de Parceria e Sociedade:

Algumas instituições de saúde criam sociedades médicas, nas quais os profissionais se tornam sócios da empresa, participando dos lucros ao invés de receberem um salário fixo. A mencionada alternativa impossibilita o reconhecimento do vínculo empregatício e viabiliza um maior alinhamento entre os interesses dos médicos e da gestão do hospital ou da clínica, por exemplo


Conclusão

A pejotização na área da saúde gera desafios jurídicos e pode gerar a precarização das relações de trabalho, exigindo soluções que equilibrem flexibilidade e proteção social. Nesse sentido, a falta de regulamentação clara intensifica a insegurança jurídica, tornando essencial a busca por alternativas mais justas e sustentáveis.

A tecnologia pode minimizar esse fenômeno ao proporcionar maior transparência e otimização dos contratos, enquanto modelos híbridos de contratação e políticas trabalhistas modernizadas podem garantir segurança tanto para profissionais quanto para empresas. Assim, a regulamentação e a inovação devem caminhar juntas para um ambiente de trabalho mais equilibrado e eficiente, tornando o fenômeno da “pejotização” uma forma de contratação segura para as empresas e para o trabalhador.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mar. 2025

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2021.

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