Planejamento Sucessório e Reforma Tributária: Oportunidades e Desafios para 2025

por Guilherme Zanotto e João Pedro Gonçalves

1. Planejamento Sucessório: Conceito, Finalidade e Relevância

O planejamento sucessório consiste em um conjunto de instrumentos jurídicos e patrimoniais voltados à organização da transferência de bens e responsabilidades entre gerações. Nesse sentido, trata-se de uma ferramenta estratégica que busca preservar o patrimônio familiar, reduzir conflitos entre herdeiros e otimizar os custos tributários.

No Brasil, a ausência de planejamento adequado ainda é a principal causa de disputas judiciais entre herdeiros, muitas vezes prolongando inventários por anos e comprometendo tanto a liquidez dos bens como a harmonia familiar. Nesse contexto, medidas como testamentos, doações, usufruto e a utilização de cláusulas restritivas (inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão) são recursos que asseguram maior segurança jurídica e estabilidade emocional às famílias.

Além do aspecto organizacional, o planejamento sucessório permite antecipar e mitigar impactos tributários. Nesse ínterim, com a recente Reforma Tributária (EC 132/2023), esse fator ganha centralidade, pois a alteração das regras do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pode aumentar de forma significativa os custos da sucessão patrimonial.

2. A Reforma Tributária e Seus Reflexos no ITCMD

2.1 Como funciona atualmente o ITCMD

O ITCMD, de competência estadual, é calculado sobre o valor venal dos bens transmitidos, respeitando-se a alíquota máxima de 8 % definida pelo Senado Federal via Resolução nº 9/1992. Alguns estados aplicam percentuais fixos (por exemplo, São Paulo adota 4 %), enquanto outros já têm estrutura de alíquotas progressivas (caso de Santa Catarina e Rio de Janeiro). Essa diversidade regional estimula a adoção de estratégias preventivas.

2.2 Alterações introduzidas pela reforma

A Emenda Constitucional nº 132/2023 estabeleceu que o ITCMD será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação, exigindo que os estados adotem faixas escalonadas de alíquota. Além disso, a reforma definiu disposições transitórias para a competência tributária em casos que envolvam bens situados no exterior, até que venha a ser editada lei complementar federal para disciplinar essas hipóteses. 

Outra alteração relevante refere-se à mudança do critério de competência para bens móveis, títulos e créditos: passa a prevalecer o domicílio do de cujus ou do doador, em detrimento do local onde se processa o inventário (ou arbitragem do local do tabelião) em determinadas situações. 

2.3 Decisão recente do STF sobre ITCMD em heranças e doações do exterior

Além das mudanças legislativas, é relevante destacar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ministra Cármen Lúcia em dois casos distintos, que reforçou o seguinte posicionamento: os estados e o Distrito Federal não podem instituir a cobrança do ITCMD em casos de heranças ou doações com elementos de conexão internacional (por exemplo, domicílio ou bens no exterior) sem a edição de lei complementar federal. 

Na prática, essa jurisprudência sustenta que heranças e doações recebidas do exterior não são tributáveis por ITCMD até que haja regulamentação nacional expressa. Entre os efeitos do julgamento, o STF modulou os efeitos da decisão, de modo que ela produza efeitos “ex nunc”, preservando situações já consolidadas até então. 

Essa decisão se interliga diretamente com o planejamento sucessório internacional: famílias com patrimônio ou herdeiros fora do Brasil devem considerar essa lacuna normativa e a segurança que ela proporciona no momento, enquanto a lei complementar não for editada.

3. Implicações Práticas e Estratégias Recomendadas

A conjugação da progressividade tributária e as limitações impostas pela decisão do STF intensificam a urgência e a sofisticação do planejamento sucessório. Algumas estratégias recomendadas:

  • Doações em vida com reserva de usufruto: permitem antecipar a transmissão patrimonial, garantindo ao doador o direito de uso até o seu falecimento.

  • Utilização de cláusulas restritivas (inalienabilidade, incomunicabilidade etc.): reforçam a proteção dos bens frente a disputas e credores.

  • Testamento estratégico: permite organizar antecipadamente a distribuição de bens, respeitando a legítima e aproveitando a parte disponível.

  • Constituição de holdings patrimoniais (pessoas jurídicas): centralizam ativos familiares e facilitam a governança e o controle, além de auxiliar na otimização tributária.

  • Aproveitamento da “janela 2025”: visto que muitos dos efeitos da reforma e mudanças jurisprudenciais ainda dependem de regulamentação, 2025 é uma oportunidade para reorganizar patrimônio sob o regime vigente.

  • Monitoramento da aprovação do PLP 108/2024: esse projeto de lei complementar tramita no Senado, atualmente pronta para deliberação e pretende regular definitivamente o ITCMD em diversos aspectos (progressividade, base de cálculo, domicílio tributário, responsabilidades solidárias).

Importante observar que alguns estados ainda não adaptaram sua legislação interna para instituir alíquota progressiva, mantendo alíquotas fixas — o que pode gerar questionamentos judiciais (“inconstitucionalidade por omissão estadual”) nessa cobrança.

4. Oportunidades e Desafios para 2025

Diante dessas modificações, o ano de 2025 configura-se como um momento decisivo. Por um lado, há a chance de antecipar medidas antes que a regulamentação nacional ou estadual torne mais rígidas as regras. Por outro, existe o risco de que alguns estados aprovem leis com alíquotas mais altas ou definam critérios menos favoráveis.

Além disso, conforme a jurisprudência do STF, heranças e doações com elementos de exterior seguem beneficiadas pela limitação normativa, até que haja lei complementar. Esse cenário cria uma camada de incerteza, mas também um “balanço provisório” favorável para quem atua com planejamento sucessório internacional. Desafios adicionais envolvem:

  • divergências entre estados quanto à base de cálculo, metodologia de valoração de bens e faixas progressivas;

  • necessidade de acompanhamento legislativo em múltiplas esferas (federal, estadual, distrital);

  • alinhamento entre estrutura patrimonial, governança familiar e tributação futura;

  • resistência dos entes estaduais com perda potencial de arrecadação.

5. Conclusão

O planejamento sucessório, ainda que sempre relevante, ganha contornos cruciais diante da reforma tributária e das decisões constitucionais recentes. A EC 132/2023 impôs a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD e redefiniu critérios de competência. Por sua vez, o STF, ao vedar a cobrança do imposto em casos internacionais sem lei complementar, reforça os limites constitucionais da atuação estadual.

Assim sendo, quem não agir em tempo hábil pode enfrentar encargos muito mais elevados no futuro ou litígios complexos. O ano de 2025 é, assim, uma janela estratégica para adotar soluções patrimoniais e jurídicas sob o regime ainda vigente — mas com visão atenta à evolução legislativa e jurisprudencial.



Referências

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BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o sistema tributário nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 21 dez. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acesso em: 20 set. 2025.

BRASIL. Senado Federal. Resolução nº 9, de 1992. Fixa alíquota máxima do ITCMD em âmbito nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1992.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 851.108/SP (Tema 825). Rel. Min. Dias Toffoli, j. 08 abr. 2021, modulação definida em set. 2025.

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MIGALHAS. STF barra cobrança de ITCMD sobre herança e doações vindas do exterior. Migalhas, 25 set. 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/440826/stf-barra-cobranca-de-itcmd-sobre-heranca-e-doacoes-vindas-do-exterior. Acesso em: 25 set. 2025.