Promovendo a equidade na saúde pública: As teses “TUNEP” e “UTI II”

por Igor Búrigo

Nos últimos anos, os hospitais filantrópicos têm enfrentado desafios significativos para manter sua sustentabilidade financeira, especialmente diante da defasagem da tabela de repasse do Sistema Único de Saúde (SUS) — a Tabela SUS. 

De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2022 [1] , a defasagem no valor de alguns procedimentos ultrapassa 17.000% quando comparado com os valores da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), uma tabela utilizada como referência para o cálculo de honorários médicos em todo o País

Visando mitigar essa discrepância de valores, no início de 2024 foi aprovada e sancionada a Lei 14.820/2024 [2], que estabelece a revisão periódica dos valores de remuneração dos serviços prestados ao SUS, a qual deve ocorrer no mês de dezembro de cada ano. Contudo, a medida não resolveu o problema da enorme defasagem da Tabela SUS, que não é atualizada desde 2013.

Diante da falta de políticas públicas visando resolver o problema, coube à própria comunidade dos hospitais filantrópicos a busca por uma solução, que se encontra em duas demandas jurídicas que têm ganhado destaque nos últimos anos: a "TUNEP/IVR" e a "UTI II". Neste artigo, exploraremos essas ações judiciais e sua importância para promover um sistema de saúde mais justo e equitativo.


A Tese "TUNEP"

A tese "TUNEP" visa promover o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados entre os hospitais filantrópicos e o SUS para o atendimento à população. O surgimento dessa construção jurídica, contudo, é intrigante.

Sempre que beneficiários de planos privados de saúde são atendidos pelo SUS, a União é ressarcida pelas despesas que tiver com base na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos (TUNEP), uma tabela muito mais benéfica e atualizada que a Tabela SUS. Isso foi firmado pelo STF no Tema de Repercussão Geral nº 345, que teve como leading case o RE 597.064, na qual foi reconhecida a constitucionalidade do referido ressarcimento com base na tabela TUNEP.

Todavia, os hospitais filantrópicos recebem pelos serviços prestados ao SUS por meio da Tabela SUS. Foi aí que os hospitais filantrópicos viram a oportunidade de receber um tratamento igualitário e exigir que a União os pague na mesma proporção que recebe dos planos privados de saúde.

Nesse sentido, a propositura de ação judicial visa condenar a União (i) à revisão dos valores repassados ao hospital para que novos procedimentos passem a ser pagos com base na tabela TUNEP ou na tabela SUS acrescida do Índice de Valoração do Ressarcimento (IVR); e (ii) ao pagamento dos valores retroativos aos últimos cinco anos, contados da data da propositura da ação, e enquanto durar o processo, referente aos valores repassados a menor pela União nesse período.


A Tese “UTI II”

Por sua vez, a tese "UTI II" também visa diminuir a defasagem dos valores recebidos pelos hospitais, mas surge em um contexto específico, durante a pandemia de Covid-19. A oportunidade tem como base legal a portaria nº 237/2020 do Ministério da Saúde, que aumentou o valor da diária de UTI tipo II utilizada para tratamento de pacientes com Covid-19 de R$ 478,00 para R$ 1.600,00. Isso ocorreu no ápice da pandemia de coronavírus e foi motivado pela alta demanda por leitos em um dos momentos mais críticos para o sistema de saúde brasileiro.

Apesar disso, o benefício não foi concedido para as UTIs tipo II que não tratassem pacientes de Covid-19 (como as UTI tipo II adulto, pediátrica e neonatal), apesar de os custos para a manutenção de uma unidade serem os mesmos em ambos os casos. Foi uma diferença de mais de R$ 1.000,00 entre diárias sem motivo coerente, o que prejudicou o atendimento a outros tipos de enfermidades que também necessitavam de cuidados intensivos.

Assim, a tese consiste na propositura de ação judicial para que (i) a União passe a pagar o valor de R$ 1.600,00 por diária de UTI II, independente da finalidade para que é utilizada; e (ii) seja complementada a diferença dos valores das diárias de UTI II retroativamente (desde 20/03/2020, quando publicada a portaria).


Conclusão

Em todo o Brasil, milhares de hospitais filantrópicos (e outros estabelecimentos de saúde que possuem contrato com o SUS) já estão buscando o seu direito perante a justiça, seja a receber com base na TUNEP, seja a receber os valores atualizados das diárias de UTI tipo II. 

As ações judiciais de "TUNEP" e "UTI II" representam importantes instrumentos para promover a equidade financeira e valorizar os serviços prestados pelos hospitais filantrópicos. Ao corrigir as defasagens nos repasses e garantir uma remuneração justa pelos serviços ambulatoriais e hospitalares, essas demandas jurídicas contribuem para fortalecer o sistema de saúde como um todo, assegurando o acesso universal e igualitário aos cuidados de saúde.

Na Konder Bornhausen Advocacia, auxiliamos hospitais e clínicas, atores fundamentais para a saúde pública, a receberem o que é devido e justo, permitindo que possam continuar fazendo a diferença na vida das pessoas.

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[1] Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/defasagem-em-valores-pagos-e-de-ate-17-mil/ 

[2] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14820.htm