Reforma Tributária: Quais os Impactos para as Startups?

por Igor Búrigo

A Reforma Tributária, aprovada por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada, em partes, pela Lei Complementar nº 214/2025, representa uma das maiores mudanças no sistema tributário brasileiro das últimas décadas. Seu objetivo é simplificar a tributação sobre o consumo, reduzir a complexidade no cumprimento das obrigações fiscais e tornar o sistema mais transparente e eficiente. No entanto, para startups — que já enfrentam desafios específicos relacionados à escalabilidade, capitalização e fluxo de caixa —, essa mudança traz uma série de dúvidas e potenciais impactos que precisam ser compreendidos com atenção.

Unificação de tributos

Um dos pontos centrais da reforma é a substituição de cinco tributos sobre o consumo — PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI — por dois novos impostos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Essa mudança tende a simplificar o cálculo dos tributos e reduzir o custo de conformidade, o que é positivo para startups que dependem de agilidade e eficiência para competir no mercado.

Não cumulatividade

Outra mudança relevante é o fato de que o CBS e o IBS serão cobrados de forma não cumulativa, ou seja, o valor pago em etapas anteriores da cadeia produtiva poderá ser creditado, o que elimina o efeito cascata característico do sistema atual. 

No modelo anterior, o sistema tributário brasileiro era marcado por uma característica chamada de tributação cumulativa em diversos casos, especialmente em relação ao PIS, COFINS e ISS. A tributação cumulativa ocorre quando um imposto é cobrado em cada etapa da cadeia produtiva, sem permitir que o valor pago na etapa anterior seja descontado na etapa seguinte. Por exemplo, vamos analisar o caso de uma startup que atua no desenvolvimento de software:

  • A startup desenvolve e comercializa um software e, para isso, contrata uma empresa para fornecer infraestrutura de nuvem (como AWS ou Azure) por R$ 10.000,00. Sobre esse valor, a empresa que fornece o serviço de nuvem paga ISS de 2% (R$ 200,00).

  • A startup usa essa infraestrutura para desenvolver seu software e, ao vender o software para o cliente final por R$ 20.000,00, paga também ISS de 2% sobre o valor total (R$ 400,00).

No caso analisado, houve um efeito cascata: a startup não conseguiu descontar os R$ 500,00 pagos pelo fornecedor de nuvem. Ou seja, a tributação foi cumulativa, pois o imposto foi calculado sobre o valor total da operação, sem considerar o imposto pago anteriormente na cadeia produtiva.

Com o novo regime de não cumulatividade previsto pela reforma tributária, o CBS e o IBS serão cobrados de forma não cumulativa, de modo a possibilitar o desconto do valor de impostos pago na etapa anterior da cadeia produtiva. Considerando o mesmo exemplo anterior:

  • A empresa de infraestrutura de nuvem emite uma nota para a startup de R$ 10.000,00, pagando CBS e IBS (vamos supor que o valor combinado seja de 26,5%, ou R$ 2.650,00).

  • A startup, ao vender o software por R$ 20.000,00, também pagaria CBS e IBS de 26,5% (R$ 5.300,00).

  • No entanto, a startup poderá usar como crédito os R$ 2.650,00 pagos na fase anterior, abatendo esse valor do total devido. Assim, o valor efetivamente pago será de R$ 2.650,00 (R$ 5.300,00 - R$ 2.650,00).

Nesse novo modelo, o imposto é calculado apenas sobre o valor agregado pela empresa na cadeia produtiva, e não sobre o valor total da operação.

Simples Nacional

O regime do Simples Nacional, utilizado pela maioria das pequenas e médias empresas do Brasil, continuará existindo mesmo após a implementação da reforma tributária. A Emenda Constitucional nº 132/2023 preserva o regime simplificado para micro e pequenas empresas, incluindo as startups que se enquadram nesses critérios. O Simples Nacional permanecerá com suas próprias regras de apuração e pagamento de tributos, funcionando como uma alternativa ao novo sistema baseado na CBS e no IBS.

Contudo, a Lei Complementar nº 214/2025 trouxe uma novidade importante: empresas que optarem pelo Simples Nacional poderão ter a possibilidade de escolher entre permanecer integralmente no regime simplificado ou adotar o novo modelo para a CBS e o IBS, mantendo o pagamento dos demais tributos no formato simplificado. Essa flexibilidade pode beneficiar startups que, ao crescerem, desejem aproveitar os créditos gerados pelas operações na cadeia produtiva sem abrir mão das vantagens de simplificação do Simples.

Aumento de alíquota

O aumento de alíquota dependerá do regime tributário adotado por cada startup. No caso das empresas que optarem pelo novo sistema de CBS e IBS, a tendência é que a carga tributária sobre serviços — setor onde muitas startups estão inseridas — aumente. A expectativa é de que a soma das alíquotas da CBS e do IBS para o setor de serviços fique em torno de 26,5% (prevendo uma CBS de aproximadamente 8% e um IBS de cerca de 18,5%).

Essa diferença pode gerar um impacto significativo para startups que prestam serviços digitais, plataformas online, consultorias ou desenvolvimento de software, que hoje pagam ISS, com uma alíquota média de 2 a 5%, e outros impostos cuja soma de alíquotas não chega nem perto da nova alíquota. No entanto, a possibilidade de aproveitar créditos gerados na cadeia produtiva pode compensar parcialmente esse aumento, especialmente para startups que possuem despesas operacionais relevantes com fornecedores sujeitos à CBS e ao IBS.

Além disso, as startups que optarem por seguir no regime do simples nacional devem seguir com uma carga tributária semelhante à aplicada atualmente, havendo apenas uma alteração nos tributos que farão parte da guia unificada.

Outro ponto importante é o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. Startups que operam em setores como bebidas alcoólicas, tabaco, veículos de alta potência, jogos de azar e extração de recursos naturais podem enfrentar um aumento na carga tributária em razão desse tributo. Como o IS é de competência federal, ele será cobrado em etapa única e sem possibilidade de compensação de créditos. Embora a maioria das startups não opere diretamente nesses setores, algumas áreas de tecnologia, como plataformas de apostas ou comercialização de produtos com componentes específicos, podem ser afetadas.

Quando começa a valer a reforma tributária?

A reforma tributária entrará em vigor de forma escalonada, com um período de transição que se estenderá de 2026 a 2033. Esse período foi estabelecido para permitir que empresas e entes federativos se adaptem gradualmente ao novo sistema tributário, evitando choques abruptos na arrecadação e na operação das empresas.

Em 2026, começará a fase de testes, na qual o governo cobrará uma alíquota reduzida de CBS e IBS em paralelo à manutenção dos tributos antigos (PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI). Essa fase servirá para calibrar o sistema e permitir que empresas e governos avaliem os impactos reais das mudanças.

Entre 2027 e 2032, as alíquotas dos tributos antigos serão progressivamente reduzidas, enquanto as alíquotas de CBS e IBS serão gradualmente aumentadas. Essa transição busca evitar um aumento abrupto na carga tributária e dar tempo para que as empresas ajustem seus sistemas internos e práticas contábeis.

Em 2033, o novo sistema estará plenamente implementado e os tributos antigos serão extintos. A partir desse ponto, o modelo tributário brasileiro funcionará exclusivamente com base na CBS, IBS e IS, além dos tributos de competência federal, como IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias.

Conclusão

A Reforma Tributária trará desafios e oportunidades para as startups. A simplificação do sistema e a adoção de um modelo de crédito financeiro poderão reduzir o custo de conformidade e aumentar a previsibilidade tributária, beneficiando startups em fase de crescimento e escalabilidade. No entanto, o impacto sobre o setor de serviços, onde muitas startups atuam, tende a ser negativo devido à elevação da alíquota combinada da CBS e do IBS. Para startups que permanecerem no Simples Nacional, o impacto será menor, mas a possibilidade de optar pelo novo regime parcial pode ser vantajosa para aquelas que buscam aproveitar os créditos gerados na cadeia produtiva.

O período de transição permitirá que as startups se adaptem ao novo modelo sem sofrerem impactos imediatos e desproporcionais. Ainda assim, será essencial que as startups desenvolvam um planejamento tributário estratégico, considerando as características específicas de suas operações e o impacto direto das novas alíquotas sobre sua rentabilidade.

Em caso de dúvidas, entre em contato com a equipe da Konder Bornhausen Advocacia.